UMA
NOVA FORMA DE ESCRAVIDÃO
DR.
IVES GANDRA
Tive a oportunidade de ler o contrato firmado entre
o governo cubano e os seus médicos enviados ao Brasil, cujo curso de medicina,
segundo consta, é de apenas 3 anos de duração. O contrato é firmado com o
governo cubano para que prestem serviços a cidadãos brasileiros, nos mesmos
moldes de outros médicos estrangeiros, também contratados pelo governo
brasileiro. Não há qualquer diferença entre o trabalho que prestam, no Brasil,
para cidadãos brasileiros daqueles que outros estrangeiros também prestam.
Idêntico trabalho, idêntica função, exercidos em nosso território contratados
por nosso governo.
A diferença está em que os outros médicos
estrangeiros recebem do governo 10.000 reais por mês e o governo paga estes
10.000 reais ao governo cubano, que repassa, em território brasileiro, apenas
1.000 reais para seu médico, aqui clinicando. Recebem, pois estes apenas 10% da
remuneração dos outros médicos estrangeiros, nas mesmas circunstâncias,
apropriando-se o governo cubano de, pelo menos, ¾ do dinheiro enviado pelo
Brasil.
Ocorre que a Constituição Federal consagra, no
artigo 7º, inciso XXX, entre os direitos dos trabalhadores que:
“XXX – proibição de diferença de salários, de exercício
de função e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado
civil.” Repito, pois, que o programa “Mais Médicos”, do governo federal,
oferece, para todos os médicos estrangeiros “não cubanos” que aderiram ao
programa, um pagamento mensal de 10.000 reais.
Em relação aos médicos cubanos, todavia, estes
10.000 reais são pagos ao governo da ilha, que os contratou através de uma
sociedade intitulada “Mercantil Cubana Comercializadora de Serviços Médicos
Cubanos S/A”. Pela cláusula 2.1 “j” desse contrato, receberá cada profissional
no Brasil, apenas 400 dólares por mês, depositando-se em Cuba outros 600
dólares.
Em face da cláusula 2.1 “n” deve o profissional
cubano guardar estrita confidencialidade “sobre informações não públicas que
lhe sejam dadas”. Pela cláusula 2.2 “e” deve abster-se de “prestar serviços e
realizar outras atividades diferentes daquelas para que foi indicado”, a não
ser que autorizado pela “máxima direção da missão cubana no Brasil”. Não
poderá, por outro lado, “em nenhuma situação, receber, por prestação de
serviços ou realização de alguma atividade, remuneração diferente da que está
no contrato”.
Há menção de vinculação do profissional cubano a um Regulamento
Disciplinar (Resolução 168) de trabalhadores cubanos no exterior, “cujo
conhecimento” só o terá quando da “preparação prévia de sua saída para o
exterior”. Esta resolução não será entregue, mas apenas mostrada, talvez para
que não possam aqueles que conseguirem fugir da ditadura mostrar a resolução,
como já fizeram com o contrato que analisei. Na letra 2.2 “j”, lê-se que o
casamento com um não cubano estará sujeito à legislação cubana, a não ser que haja
“autorização prévia por escrito” da referida máxima Direção Cubana.
Pela letra 2.2 “g” só poderá receber visitas de
amigos ou familiares no Brasil, mediante “comunicação prévia à Direção da
Brigada Médica Cubana” aqui sediada. Pela letra “r”, deverão manter “estrita
confidencialidade” sobre qualquer informação que receba em “Cuba” ou no
“Brasil” até “um ano depois do término” de suas atividades em nosso país.
Por fim, para não me alongar muito na reprodução do contrato,
pela cláusula 3.5, o profissional será punido, se abandonar o trabalho, segundo
“a legislação vigente na República de Cuba”.
A leitura do contrato demonstra, nitidamente, que
consagra a escravidão laboral, não admitida no Brasil. Fere os seguintes artigos
da Constituição Brasileira: 1º incisos III (dignidade da pessoa humana) e IV
(valores sociais do trabalho); o inciso IV do art. 3º (eliminar qualquer tipo
de discriminação); o art. 4º inciso II (prevalência de direitos humanos); o
art. 5º inciso I (princípio da igualdade) e inciso III (submissão a tratamento degradante),
inciso X (direito à privacidade e honra), inciso XIII (liberdade de exercício
de qualquer trabalho), inciso XV (livre locomoção no território nacional),
inciso XLI (punição de qualquer discriminação atentatório dos direitos e
liberdades fundamentais), art. 7º inciso XXXIV (igualdade de direitos entre
trabalhadores com vínculo laboral ou avulso) e muitos outros que não cabe aqui
enunciar, à falta de espaço. O governo federal, que diz defender os
trabalhadores – o partido no poder tem este título-, não poderia aceitar a escravidão
dos médicos cubanos contratados, que recebem no Brasil 10% do que recebem os
demais médicos estrangeiros!!! O triste, entretanto, é que o governo
brasileiro, em que sua presidente, desde que haja oportunidade, elogia abertamente
a sangrenta ditadura cubana para atacar os EUA, sempre teve conhecimento deste
tratamento indigno desde o início do acordo com o governo daquela Ilha.
O que não se compreende é como as autoridades
brasileiras tenham concordado com tal iníquo regime de escravidão e de proibições,
em que o direito cubano vale --em matéria que nos é tão cara (dignidade
humana)--, mais do que as leis brasileiras!
A fuga de uma médica cubana –e há outros que estão fazendo
o mesmo— desventrou uma realidade, ou seja, que o programa do Mais Médicos
esconde a mais dramática violação de direitos humanos de trabalhadores de que
se tem notícia, praticada, infelizmente, em território nacional.
Todos os juristas professores de Faculdade com quem conversei
têm pela imprensa ou em palestras hospedado a mesma interpretação que mostro
neste artigo.
Que o Ministério Público do Trabalho tome as medidas
necessárias para que estes médicos deixem de estar sujeitos a tal degradante
tratamento.