Ortotanásia morte sem dor
Ubiratan
Antonio Costa
Rosemaire
Justina da Silva
"Se a administração dos narcóticos causa ,
por si mesma , dois efeitos distintos , a saber
de um lado , o alívio das dores ; do outro, a abreviação da vida , então
ela é lícita"
Papa Pio XII
O presente artigo não busca
exaurir o tema da ortotanásia, mas traçar algumas considerações importantes
acerca da sua conceituação, fundamentação ética, constitucional e religiosa, de
modo a justificar tal prática. A ortotanásia ganhou uma certa importância após
a vigência do Novo Código de Ética Médica. A medicina brasileira finalmente
assumiu o princípio da finitude humana e propôs, frente aos pacientes
acometidos de doenças incuráveis, os cuidados paliativos. O inciso XXII do
Código de Ética Médica, referentes aos princípios fundamentais, diz que “Nas
situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de
procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos
pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados”. Hoje não
dá mais para negar que a vida tem seu desenlace final
Estamos frente a um código de
diretrizes éticas, essencialmente ligado à autonomia do paciente, devendo ser
levada em conta a vontade expressa do paciente, com consentimento livre e
esclarecido deste para qualquer procedimento terapêutico, e à dignidade da
pessoa humana, desde o momento inicial até o momento final da vida, respeitando
sempre o mundo dos valores humanos.
Por ortotanásia ( do grego
ort=correto; e thanatos =morte ) entende-se o ato por meio do qual o médico
deixa de prestar um tratamento que se mostra fútil e inútil, em um paciente
terminal.
Somente é possível em se falar em
ortotanásia quando o processo de morte já tiver sido instalado, sendo
necessário o consentimento do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu
representante legal. Não se deve buscar o abreviamento da vida ( eutanásia ),
nem prolongar o processo de morte, com dor e agonia, tanto para o pacientes
quanto para os familiares (distanásia ). Para fins de retirada de um tratamento
inóquo, com intuito de se evitar
distanásia, tem-se a ortotanásia, que favorece ao doente que já tenha
entrado em fase terminal, e também àqueles que o cercam, através da
possibilidade de enfrentar tais momentos com tranqüilidade, pois a morte não é
uma doença a se curar mas algo que faz parte da própria vida. Uma vez aceita
este fato que a cultura ocidental contemporânea tenta negar, abre-se a
possibilidade de fazer a distinção entre curar e cuidar, entre manter a vida,
quando for possível, e permitir que a pessoa morra, quando for inevitável.
O que se busca com a ortotanásia,
afinal, não é o encurtamento da vida do paciente, mas deixar transcorrer, da
maneira mais natural, e o mais importante, com menos sofrimento, o processo de
morte já iniciado em pacientes terminais.
É exatamente nestes momentos
cruciais que as questões éticas são importantes. Ética esta que insurge de
maneira mais clara diante da decisão de retirar ou não tratamento em doente que
se encontra num estágio onde, nem o avanço científico e as possibilidades
médicas têm soluções , está fadado à morte, em um curto espaço de tempo.
Por isso, é que foi devidamente
regulamentado pelo Conselho Federal de Medicina, no Código de Ética Médica
(Resolução n. 1.931/09, do Conselho Federal de Medicina), em seu artigo 41,
parágrafo único, que ”nos casos de doenças incurável e terminal, deve o médico
oferecer todos os cuidados paliativos ou disponíveis sem empreender ações
diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em
consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de
seu representante legal.” (capítulo V, art. 41, parágrafo único)
Todavia, para tornar mais claro o
debate acerca dos princípios bioéticos autorizadores da ortotanásia, podemos
destacar: a autonomia da vontade e a dignidade da pessoa humana.
No momento da terminalidade da
vida humana, o principal problema enfrentado pelo médico, diante de um
paciente, é assegurar a vida sem violar os princípios éticos ou legais. A
autonomia pode ser entendida como a capacidade de auto determinar-se, ou seja,
de acordo com sua vontade.
O médico deve primar, no
exercício da sua docência, pela vontade do paciente, e respeitar as escolhas
feitas por este.Tal princípio está contido no capítulo XII, art. 110, do Código
de Ética Médica. O médico também deve sempre considerar a vontade do paciente
ou de seu representante legal, conforme já mencionado acima.
Há diversas maneiras pelas quais
se podem expressar a autonomia. Porém, vamos nos deter somente a autonomia
prevista no Código de Ética Médica, quais sejam, a vontade expressa do doente
ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal.
Outro princípio importante é a
dignidade do homem, reconhecida a partir do cristianismo, que passou a ser
visto como ser único, distinto do Estado, possuindo direitos específicos,
ligados a cada individuo. Tal princípio está previsto no art.1, inciso III,
CR/88.
A dignidade da pessoa humana se
apresenta como fonte normativa para aplicação de outros princípios. A dignidade
chama para si uma grande força moral e jurídica, pois a dignidade humana
tornou-se, ao final da Segunda Guerra Mundial, um dos grandes consensos éticos
do mundo ocidental. A dignidade da pessoa humana é mencionada em documentos Internacionais,
Constituições, Leis e decisões judiciais,possuindo relevância para quem a
evocar.
Com base no princípio da
dignidade humana, assim como há um direito a uma vida digna, há também direito
a uma morte digna, sem dor. Assim, não se pode conjeturar, pois, que haja
violação de um direito por meio de uma ação ou omissão de aplicar ou não um
tratamento que se apresenta como fútil à recuperação do paciente, restando, desta
forma, impossível estabelecer prejuízo para este.
Na seara penal, portanto, não há
que se falar em homicídio, auxílio ao
suicídio ou omissão de socorro, uma vez que diante da inevitabilidade do
resultado morte, decorrente de doença grave e incurável, após o uso de meios
extraordinários que nada fazem senão prolongar a existência da vida com dor e
sofrimento e sem qualquer dignidade, a conduta médica se apresentaria como
atípica, diante à inexigibilidade de qualquer outra conduta, nem mesmo
cogitando a eutanásia.
À luz dos direitos fundamentais,
o tema ortotanásia se apresenta como uma solução jurídica, ética e moralmente
aceitável, ao proporcionar a concretização dos princípios constitucionais
envolvidos na matéria, que é o direito à vida, à dignidade e a autonomia.
O direito a uma morte digna foi
proposto como fruto do conhecimento do ser humano dotado de valor individual. A
morte não é apenas um evento jurídico, mas envolve questões antropológicas,
filosóficas,religiosas, dentre outras.
Todos nós viveremos o momento da
morte, e nesse momento o “sim” dos pacientes tem relevância. Eles têm a
liberdade de recusar tratamentos extraordinários que não lhes trarão cura nem
alívio para o sofrimento.Quando o paciente não estiver em condições de
responder por si mesmo, a família tem o direito de recusar tratamentos caros
que não trarão nenhum benefício para
impedir o curso da doença e possível morte. O que fazer quando o curso da
doença é irreversível e a morte é obviamente iminente por questão de horas ou
dias? Quanto sofrimento pode ser agregado a um paciente e sua família, em uma
situação como essa? Infelizmente, as respostas não podem ser mensuráveis.
Porém, mesmo diante do avanço da medicina e das proibições legais, o doente
terminal precisa desfrutar do direito de permitir que sua vida continue o curso
traçado por Deus mostrado pelo ciclo biológico.
Dessa forma, quando um paciente
está realmente morrendo, os médicos podem e devem usar o bom senso para avaliar
a situação. Se os tratamentos não estão
trazendo cura e só estão ajudando a adiar o processo de morte, os médicos podem
descontinuar os tratamentos e inserir os cuidados paliativos, permitindo que o
doente tenha uma morte natural. Nenhuma dessas ações é eutanásia ou distanásia.
É ortotanásia.