terça-feira, 10 de julho de 2012

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ARTIGO: ORTOTANÁSIA MORTE SEM DOR


                                 Ortotanásia  morte sem dor

Ubiratan Antonio Costa
Rosemaire Justina da Silva

                      

"Se a administração dos narcóticos causa , por si mesma , dois efeitos distintos , a saber  de um lado , o alívio das dores ; do outro, a abreviação da vida , então ela é lícita"
                                                                                                              
                                                                                                                Papa Pio XII



O presente artigo não busca exaurir o tema da ortotanásia, mas traçar algumas considerações importantes acerca da sua conceituação, fundamentação ética, constitucional e religiosa, de modo a justificar tal prática. A ortotanásia ganhou uma certa importância após a vigência do Novo Código de Ética Médica. A medicina brasileira finalmente assumiu o princípio da finitude humana e propôs, frente aos pacientes acometidos de doenças incuráveis, os cuidados paliativos. O inciso XXII do Código de Ética Médica, referentes aos princípios fundamentais, diz que “Nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados”. Hoje não dá mais para negar que a vida tem seu desenlace final
Estamos frente a um código de diretrizes éticas, essencialmente ligado à autonomia do paciente, devendo ser levada em conta a vontade expressa do paciente, com consentimento livre e esclarecido deste para qualquer procedimento terapêutico, e à dignidade da pessoa humana, desde o momento inicial até o momento final da vida, respeitando sempre o mundo dos valores humanos.
Por ortotanásia ( do grego ort=correto; e thanatos =morte ) entende-se o ato por meio do qual o médico deixa de prestar um tratamento que se mostra fútil e inútil, em um paciente terminal.
Somente é possível em se falar em ortotanásia quando o processo de morte já tiver sido instalado, sendo necessário o consentimento do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal. Não se deve buscar o abreviamento da vida ( eutanásia ), nem prolongar o processo de morte, com dor e agonia, tanto para o pacientes quanto para os familiares (distanásia ). Para fins de retirada de um tratamento inóquo, com intuito de se evitar  distanásia, tem-se a ortotanásia, que favorece ao doente que já tenha entrado em fase terminal, e também àqueles que o cercam, através da possibilidade de enfrentar tais momentos com tranqüilidade, pois a morte não é uma doença a se curar mas algo que faz parte da própria vida. Uma vez aceita este fato que a cultura ocidental contemporânea tenta negar, abre-se a possibilidade de fazer a distinção entre curar e cuidar, entre manter a vida, quando for possível, e permitir que a pessoa morra, quando for inevitável.
O que se busca com a ortotanásia, afinal, não é o encurtamento da vida do paciente, mas deixar transcorrer, da maneira mais natural, e o mais importante, com menos sofrimento, o processo de morte já iniciado em pacientes terminais.
É exatamente nestes momentos cruciais que as questões éticas são importantes. Ética esta que insurge de maneira mais clara diante da decisão de retirar ou não tratamento em doente que se encontra num estágio onde, nem o avanço científico e as possibilidades médicas têm soluções , está fadado à morte, em um curto espaço de tempo.
Por isso, é que foi devidamente regulamentado pelo Conselho Federal de Medicina, no Código de Ética Médica (Resolução n. 1.931/09, do Conselho Federal de Medicina), em seu artigo 41, parágrafo único, que ”nos casos de doenças incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos ou disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal.” (capítulo V, art. 41, parágrafo único)  
Todavia, para tornar mais claro o debate acerca dos princípios bioéticos autorizadores da ortotanásia, podemos destacar: a autonomia da vontade e a dignidade da pessoa humana.
No momento da terminalidade da vida humana, o principal problema enfrentado pelo médico, diante de um paciente, é assegurar a vida sem violar os princípios éticos ou legais. A autonomia pode ser entendida como a capacidade de auto determinar-se, ou seja, de acordo com sua vontade.
O médico deve primar, no exercício da sua docência, pela vontade do paciente, e respeitar as escolhas feitas por este.Tal princípio está contido no capítulo XII, art. 110, do Código de Ética Médica. O médico também deve sempre considerar a vontade do paciente ou de seu representante legal, conforme já mencionado acima.
Há diversas maneiras pelas quais se podem expressar a autonomia. Porém, vamos nos deter somente a autonomia prevista no Código de Ética Médica, quais sejam, a vontade expressa do doente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal.
Outro princípio importante é a dignidade do homem, reconhecida a partir do cristianismo, que passou a ser visto como ser único, distinto do Estado, possuindo direitos específicos, ligados a cada individuo. Tal princípio está previsto no art.1, inciso III, CR/88.
A dignidade da pessoa humana se apresenta como fonte normativa para aplicação de outros princípios. A dignidade chama para si uma grande força moral e jurídica, pois a dignidade humana tornou-se, ao final da Segunda Guerra Mundial, um dos grandes consensos éticos do mundo ocidental. A dignidade da pessoa humana é mencionada em documentos Internacionais, Constituições, Leis e decisões judiciais,possuindo relevância para quem a evocar.
Com base no princípio da dignidade humana, assim como há um direito a uma vida digna, há também direito a uma morte digna, sem dor. Assim, não se pode conjeturar, pois, que haja violação de um direito por meio de uma ação ou omissão de aplicar ou não um tratamento que se apresenta como fútil à recuperação do paciente, restando, desta forma, impossível estabelecer prejuízo para este.
Na seara penal, portanto, não há que se falar em  homicídio, auxílio ao suicídio ou omissão de socorro, uma vez que diante da inevitabilidade do resultado morte, decorrente de doença grave e incurável, após o uso de meios extraordinários que nada fazem senão prolongar a existência da vida com dor e sofrimento e sem qualquer dignidade, a conduta médica se apresentaria como atípica, diante à inexigibilidade de qualquer outra conduta, nem mesmo cogitando a eutanásia.
À luz dos direitos fundamentais, o tema ortotanásia se apresenta como uma solução jurídica, ética e moralmente aceitável, ao proporcionar a concretização dos princípios constitucionais envolvidos na matéria, que é o direito à vida, à dignidade e a autonomia.
O direito a uma morte digna foi proposto como fruto do conhecimento do ser humano dotado de valor individual. A morte não é apenas um evento jurídico, mas envolve questões antropológicas, filosóficas,religiosas, dentre outras.
Todos nós viveremos o momento da morte, e nesse momento o “sim” dos pacientes tem relevância. Eles têm a liberdade de recusar tratamentos extraordinários que não lhes trarão cura nem alívio para o sofrimento.Quando o paciente não estiver em condições de responder por si mesmo, a família tem o direito de recusar tratamentos caros que não trarão  nenhum benefício para impedir o curso da doença e possível morte. O que fazer quando o curso da doença é irreversível e a morte é obviamente iminente por questão de horas ou dias? Quanto sofrimento pode ser agregado a um paciente e sua família, em uma situação como essa? Infelizmente, as respostas não podem ser mensuráveis. Porém, mesmo diante do avanço da medicina e das proibições legais, o doente terminal precisa desfrutar do direito de permitir que sua vida continue o curso traçado por Deus mostrado pelo ciclo biológico.
Dessa forma, quando um paciente está realmente morrendo, os médicos podem e devem usar o bom senso para avaliar a situação. Se os  tratamentos não estão trazendo cura e só estão ajudando a adiar o processo de morte, os médicos podem descontinuar os tratamentos e inserir os cuidados paliativos, permitindo que o doente tenha uma morte natural. Nenhuma dessas ações é eutanásia ou distanásia. É ortotanásia.

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