INTERESSE
PÚBLICO OU
DOS
DETENTORES DO PODER
DR.
IVES GANDRA
Há diversas meias-verdades que são tomadas como
dogmas absolutos, na Política ou no Direito. A maior delas é que o Estado organizado
pelos representantes do povo, seus governantes, busca, exclusivamente,
oferecer-lhe o bem estar social, com o que o interesse público há de sempre
prevalecer sobre o interesse individual.
Os detentores do poder, para justificarem a defesa
do social – cuja identificação e atendimento só eles conseguem bem realizar - agitam
a bandeira do interesse público, devendo toda a nação aceitar sua pessoal visão
do que seja bom para a sociedade.
Infelizmente, a realidade é outra, pois, a maior
parte dos tributos que a comunidade paga é destinada à manutenção da classe dirigente
(burocratas e políticos), que tem fantástica capacidade de multiplicar despesas
para sua perpetuação no poder. Grande parte do orçamento federal é destinada a
manter tais estruturas, geradoras de obrigações sobre a sociedade, em valores consideravelmente
superiores ao dos gastos populistas e demagógicos, como “Bolsa Família” ou
“Mais Médicos”. Tais programas consomem recursos incomensuravelmente menores
que os gastos com os “donos do poder”.
Ser autoridade é o desejo de grande parte da
sociedade, na crença de que passará a ter garantidos privilégios que os
cidadãos “não governamentais” não têm, seja na previdência, seja na segurança do
emprego. Quando estes cidadãos prestam concursos públicos, buscam muito mais
sua própria segurança, do que exercer uma vocação de serviço ao povo. Prova
disso é o número de concursos que
prestam, para toda espécie de funções, até serem aprovados em alguma delas, o
que lhes dará estabilidade para o resto da vida. Não é a vocação para este ou
aquele cargo, mas a busca da segurança pessoal, que os leva a quererem ser
“autoridade”. Pior ocorre com os amigos do rei, aqueles escolhidos pelos que exercem
o poder para auxiliá-los, por serem “de confiança”. Estes, que não têm a
segurança dos concursados, tudo fazem para se perpetuarem na função - ou, pelo
menos, para tirar o melhor proveito, enquanto tiverem no seu exercício - o que
lhes permite colocar toda a espécie de obrigações e custos sobre a sociedade,
objetivando tornarem-se imprescindíveis. Tal
fenômeno, dos “escolhidos do rei”, ocorre nos três Poderes (Executivo,
Legislativo e Judiciário), com sensível aumento da máquina administrativa. Não
sem razão, o Brasil excede, em matéria de exigências burocráticas sobre a
sociedade, no campo tributário, todos os países do mundo, conforme levantamento
do Banco Mundial de alguns anos atrás, com o auxílio de empresa de auditoria
internacional. É que, como dizia Toffler, em seu “A terceira onda”, os
burocratas - a que chamava de “integradores do poder”- mantém-se no poder pela
multiplicação de exigências burocráticas, o que leva à expansão do número de
“integradores”, tornando-se, pois, mais permanentes que os políticos.
Basta verificar-se o que recebe a sociedade não
governamental, constituída de cidadãos de 2ª. categoria, na previdência, e o
que recebem os detentores do poder, nas 3 Casas do comando político (Legislativo,
Executivo e Judiciário): em média mais de 1.000% do que o povo em geral.
Gera-se, para pouco mais de 1 milhão de servidores aposentados, um déficit
governamental muito maior do que aquele gerado por 25 milhões de cidadãos
“comuns”.
Isso sem contar a constante pressão que exercem por
vencimentos maiores, privilégios crescentes e direito a greve sem limites e sem
responsabilidade, tornando a esmagadora maioria da população brasileira refém
dos donos do poder. Por esta razão, apesar de uma carga tributária de mais de
37% do PIB, sem contar as penalidades pecuniárias, não presta, o Poder Público,
serviços à altura, em padrões minimamente condizentes com a dignidade humana.
Os valores pagos pelos procedimentos prestados ao SUS, por exemplo, não são
atualizados monetariamente há 19 anos, em nítida demonstração de que os nossos
tributos não são destinados a prover o interesse público, mas a segurança e os
vencimentos dos detentores do poder. Basta-se olhar, no orçamento, o que é
destinado para as despesas de custeio de uma burocracia que asfixia a sociedade
e o que retorna dos tributos para os esmagados brasileiros. Os integrantes do
Bolsa Família recebem 20 bilhões de reais, verdadeiras migalhas, em um
orçamento de mais de 1 trilhão e 200 bilhões de reais.
Estados Unidos, Suíça, Japão têm carga tributária
menor que o Brasil e prestam serviços muito melhores. Os “emergentes” têm carga
tributária incomensuravelmente menor e seus serviços públicos são semelhantes
aos nossos. O que vale dizer, no Brasil, infelizmente, o interesse público é
fundamentalmente o interesse dos detentores do poder, sendo a prestação de
serviços um efeito apenas colateral dessa detenção, não absolutamente necessário.
Por esta razão, apesar de sua imensa potencialidade,
o País cresce pouco, perdendo dramaticamente a competitividade internacional, com
uma balança comercial deficitária, com maquiagem de operações contábeis,
inflação no teto, desestímulo empresarial. De outro lado, assistimos a um
crescimento inacreditável da máquina estatal,
do número de partidos políticos e de geração de novas obrigações sobre a
sociedade, atrás da qual há sempre um agente público do Executivo, do
Ministério Público ou do Judiciário, a brandir a espada para que sejam
cumpridas todas as descabidas exigências, porque “o interesse público - ou
seja, o deles - deve prevalecer sobre o individual”.
Stefan Zweig definiu o Brasil como o país do futuro.
Mas com a insaciabilidade dos senhores feudais do poder brasileiro, futuro mais
do que incerto.
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