E
ai gente tudo bom? Hoje temos QUARTA COM DR. IVES!!! que está nos trazendo um
texto que fala sobre liberdade do intérprete. Muito interessante.
Aproveitem.
O
DIREITO E A LIBERDADE DO INTÉRPRETE
(
FOLHA DE S.PAULO – 22/10/2013 – A3 )
Causou-me
um misto de perplexidade e bom humor que uma longa entrevista concedida à
brilhante jornalista Mônica Bergamo fosse quase que inteiramente ignorada e que apenas
dois parágrafos dela causassem desproporcional impacto. Tive mesmo a impressão
que para os outros aqueles dois parágrafos estariam a concentrar não só tudo o
que escrevi na vida, mas toda minha concepção jurídica da ordem social.
Nela, eu
disse que a teoria do domínio do fato, tal como foi aplicada na Ação Penal 470,
trazia insegurança jurídica e que, se tivesse que ser aplicada, quem teria o
domínio do fato completo seria o presidente da República.
Como um
velho e modesto advogado provinciano, aprendi com meus mestres - à época em que
os lentes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco eram criadores de
teorias e não reprodutores eletrônicos ou presenciais de teorias alheias - que
a letra da norma, na esmagadora maioria das vezes, exterioriza o seu conteúdo.
Meu velho e saudoso mestre Canuto Mendes de Almeida abominava as sofisticações
teoréticas, lembrando sempre que, por destinar-se a ser aplicado, deve o
direito ser inteligível pela sociedade, pois a clareza do legislador atesta a
fidalguia do governante.
Claus
Roxin não foi o criador da teoria do domínio do fato, embora seu mais conhecido
intérprete. Adaptou-a de Hans Welzel (1939), seu verdadeiro autor, à sua
concepção própria e não pretendeu impedir outros juristas de fazerem o mesmo.
Em direito, não há marcas e patentes a
serem preservadas e a Ministra Rosa Weber, quando a ela se referiu,
apresentou-a conforme sua leitura.
Quando,
nos dois parágrafos e na breve nota que publiquei na Folha, aludi a seu criador
(Welzel) e a seu mais conhecido intérprete e inovador (Roxin), apenas disse que
tal teoria, segundo o meu direito de interpretá-la, foi aplicada à falta de
prova material consistente.
Lembro
que, se há prova material contra quem comanda uma ação, a teoria é
despiencienda. As provas por si só já servem para condenar e, conforme o nível
da participação do protagonista na condução dos atos delituosos, as penas serão
agravadas. Quando as provas materiais inexistem, havendo apenas indícios ou
provas testemunhais, é que se lança mão de uma teoria agregadora do comando.
A
aplicação de teoria do domínio do fato a Videla e a Fujimori, decorreu de serem
presidentes da república. Embora os crimes tenham sido praticados por seus
subordinados, estavam estes sob seu comando.
É bem
verdade que Hans Welzel não conseguiu a aplicação da teoria aos crimes
praticados pelo partido nazista. Para Welzel, quem determina a execução do
crime não é dele partícipe, mas autor.
O certo
é que os Ministros do Supremo Tribunal Federal que se referiram à teoria,
interpretaram-na com a liberdade própria de doutrinadores, não podendo ser
criticados de o terem feito, de acordo com suas convicções.
Eu,
pessoalmente, nos dois curtos parágrafos da longa entrevista, discordando da
conformação que a jurisprudência brasileira dá à teoria do domínio do fato e
dos eminentes Ministros que a adotaram, suscitei minha preocupação de que sua
adoção, sem que haja provas materiais consistentes, pode trazer
insegurança jurídica. E manifestei minha
preferência, em direito penal, pela teoria que levou o Supremo Tribunal
Federal, após o impeachment do presidente Collor, a absolvê-lo por falta do
nexo causal entre conduta e resultado e de prova material consistente. O
aspecto positivo dos dois parágrafos, todavia, foi abrir-se um debate sobre a
matéria, que permitirá o aparecimento de debate sobre a matéria, que permitirá o
aparecimento de novas exegeses sobre o tema levantado por Hans Welzel.
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