DESINFORMAÇÃO
SOBRE A PEC 37
DR.
IVES GANDRA
O Ministro César Peluso, quando presidia o STF, no
recurso extraordinário nº. 593.727 disse:
“Considerar o membro do Ministério Público, ao mesmo
tempo, ‘advogado sem paixão’ e ‘juiz sem imparcialidade’ é exigir-lhe demais.
(...) Não subsiste no ordenamento institucional nenhuma dúvida de que não
compete ao Ministério Público exercer atividades de polícia judiciária, na
apuração das infrações penais.”
Como se
percebe, não haveria necessidade de um projeto de emenda constitucional para
assegurar aos delegados de polícia a exclusividade para presidir os inquéritos
policiais. Já a têm na CF, pois o § 4º do artigo 144 está assim redigido:
“§ 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados
de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções
de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”.
Comentei-o:
O Texto Constitucional faz clara alusão a que os delegados
de carreira são aqueles que a dirigem, pressupondo-se que a chefia da polícia,
exceção feita ao Secretário de Segurança, homem de confiança, só pode ser
exercida por delegados de carreira escolhidos entre aqueles que estão no mais
alto escalão desta. Há, portanto, nítida sinalização do Texto Constitucional
para uma burocracia profissionalizada entre delegados, que não pode ser
desconhecida pelo Estatuto dos Servidores Públicos Civis dos Estados. (Comentários
à Constituição do Brasil, v. 5, p. 280/281).
O Ministério Público não é polícia judiciária. Tem o
direito de requisitar às autoridades policiais diligências investigatórias
(art. 129, inciso VIII), assim como a instauração de inquérito policial aos delegados,
que, todavia serão aqueles que os instaurarão. O exercício do controle externo
da atividade policial (inciso VII do artigo 129), de rigor é controle
semelhante ao que exerce sobre todos os poderes públicos (inciso II), para que
não haja desvios de conduta.
Não há que confundir a relevante função de defesa da
sociedade e de zelar pelo bom funcionamento das instituições, com aquela de
dirigir um inquérito, que é função exclusiva da “polícia judiciária”.
À evidência, com o direito de requisição, o MP pode
pedir aos delegados todas as investigações de que precisar, como também o tem o
advogado de defesa, que se coloca no inquérito judicial no mesmo plano do MP.
Não sem razão, o constituinte definiu a advocacia e
o Ministério Público, como “funções essenciais à administração de Justiça”
(art. 127 a 135). O direito de defesa, a ser exercido pelo advogado, é o mais sagrado
direito de uma democracia, direito este inexistente nas ditaduras. Por esta
razão é inviolável, neste exercício, como determina o art. 133 da CF/88, assim
redigido: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo
inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites
da lei.”
Não sem razão, também, o constituinte colocou no
inciso LV do art. 5º, como cláusula pétrea, que aos acusados é assegurada a “ampla
defesa administrativa e judicial”, sendo o adjetivo “ampla” de uma densidade
vocabular inquestionável. O dispositivo tem a seguinte dicção: “LV, art. 5º. -
aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Permitir ao MP que seja, no inquérito policial,
parte (acusação) e juiz (condutor da investigação) ao mesmo tempo, é reduzir a “ampla
defesa” constitucional a sua expressão nenhuma, de vez que, na dúvida, o MP
deve acusar. Se o magistrado, na dúvida, deve absolver (in dubio pro reo), o
MP, na dúvida, deve acusar para ver se durante o processo as suas suspeitas são
consistentes. Pelo texto constitucional, portanto, não haveria necessidade de
um projeto para explicar o que já está na Constituição. Como, todavia, nos
últimos tempos, houve invasões nas competências próprias dos delegados, é que
se propôs um projeto de emenda constitucional para que o óbvio ficasse
“incontestavelmente óbvio”.
É de se lembrar que, de forma gráfica e cáustica o
Ministro Marco Aurélio Mello assim se manifestou no RE 593.727: “Eu não imagino
procurador com estrela no peito e arma na cintura para enfrentar criminosos na
rua como se fosse polícia.” Eis porque juristas da expressão do presidente do
TJ de São Paulo, Ivan Sartori, do presidente do Conselho de Ética da República,
Américo Lacombe, de Márcio Tomás Bastos, Vicente Greco Filho, José Afonso da
Silva, José Roberto Batocchio, Luiz Flávio D’Urso, Marcos da Costa e Guilherme
de Souza Nucci colocaram-se a favor da PEC-37.
Há diversas manifestações restritivas da atuação do
MP, como a dos Ministros Nelson Jobin, Cármen Lúcia e Luís Roberto Barroso, dos
professores Miguel Reale Júnior, Eugênio de Aragão, Rogério Arantes, Maria
Tereza Sadek, Flávio Dino e outros doutrinadores e autoridades.
Com todo o respeito aos eminentes membros do
“Parquet”, parece-me que deveriam concentrar-se nas suas relevantes funções,
que já não são poucas, nem pequenas. Uma última observação. Num debate de
nível, como o que se coloca a respeito da matéria, não me parece que agiu bem o
MP quando intitulou a PEC 37 de “PEC da corrupção e da impunidade”, como se
todos os membros do MP fossem incorruptíveis e todos os delegados corruptos.
Argumento desta natureza não engrandece a Instituição, visto que a Constituição
lhe outorgou função essencial, particularmente necessária ao equilíbrio dos
poderes, como o tem a Advocacia e o Poder Judiciário, em cujo tripé se
fundamenta o ideal de justiça, na república brasileira.
Concluo este breve artigo com as seguintes manifestações:
- do ex-presidente do STF, Ministro Nelson Jobim: “Procurador não é policial.
Não podemos passar por cima da Constituição”.
- da Ministra Cármen Lúcia no HC 108.147:
“A partir do momento em que o MP se utiliza de sua estrutura
e de suas garantias institucionais a fim de realizar de modo direto
investigações criminais, atua em sigilo e isento de fiscalização em sua
estrutura administrativa.”
- e do
Ministro Luís Roberto Barroso:
“Parece fora de dúvida que o modelo instituído pela Constituição
de 88 não reservou ao Ministério Público o papel de protagonista da
investigação penal. De fato, tal competência não decorre de nenhuma norma
expressa, sendo certo que a função de polícia judiciária foi atribuída às
Polícias Federal e Civil. (...) Não é desimportante lembrar que a Polícia
sujeita-se ao controle do Ministério Público. Mas se o Ministério Público
desempenhar, de maneira ampla e difusa, o papel da Polícia, quem irá
fiscalizá-lo?”.
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